amores expresos, blog DO MATTOSO

terça-feira, 10 de julho de 2007

"PARQUE CENTRAL?"

Nada pode ser mais complexo e cheio de articulações que o sistema de transportes havanês. Foi preciso alguns dias de estudo para compreendê-lo, e ainda assim continuo com a sensação de que falta alguma peça para completar o quebra-cabeça, que algo fundamental me escapou à atenção e eu não passo de um ignorante balbuciando generalidades.

Havana desenvolveu uma relação tão peculiar com o transporte público que o simples ato de parar numa calçada e estender o braço para a rua dá origem a um espectro quase infinito de possibilidades de locomoção. Há os meios tradicionais, como os guaguas, ônibus comuns que cumprem itinerários fixos, ou os táxis, que podem funcionar pelo taxímetro ou mediante um valor combinado com o motorista. Uma primeira variação é o coco-táxi, híbrido de triciclo e cabine telefônica que circula perigosamente entre os carros mas tem a considerável vantagem de proporcionar um pouco de brisa fresca ao turista mais combalido pelo calor caribenho.




Os camellos são um capítulo à parte. Precursores dos Transformers, esses seres mutantes são caminhões cujas carrocerias foram adaptadas para amontoar o maior número possível de passageiros. São uma invenção do Período Especial, os anos de miséria que se abateram sobre Cuba após o colapso soviético, e acabaram se incorporando definitivamente ao dia-a-dia do havanês. No camello não há contato direto com o motorista. O que acontece na carroceria fica na carroceria, e não são incomuns incidentes por ali, que acontecem sem que o condutor perceba. A aparência do camello é auto-explicativa:


Mas o fenômeno mais interessante nos meios de locomoção desta cidade está no transporte informal, feito exclusivamente por veículos particulares. Aí entram em ação as máquinas, que é como são chamadas as velhas e carcomidas carangas cubanas. Como se sabe, uma imensa frota de Cadillacs, Buicks, Thunderbirds, Pontiacs e Olsmobiles circula pelas ruas de Havana, boa parte deles fazendo dinheiro através do transporte ilegal da população.

Muitas vezes as máquinas obedecem a itinerários fixos, atravessando a cidade de uma ponta a outra, e embora não haja nenhuma indicação que as diferencie dos carros que não estão “a serviço”, basta fazer um sinal para que, segundos depois, uma dessas banheiras tremelicantes reduzam a velocidade e venham parar a seu lado. Como os itinerários variam, é preciso aproximar-se da janela e perguntar ao motorista se ele passa pelo seu destino. Logo nos primeiros dias, fui orientado a não me estender demais nesse contato: temendo a fiscalização, os motoristas costumam arrancar no primeiro sinal de indecisão do passageiro. Nada de “usted poderia informarme” ou “por favor, saberias decir se”. A coisa é direta:

— Parque central?

E a porta se abrirá ou não, dependendo da resposta. O preço da viagem é de dez pesos cubanos, e os carros normalmente andam apinhados de gente. É um sistema parecido ao da lotação brasileira, embora bem mais sujeito a adaptações: muitas vezes, as máquinas assumem o papel de táxis, ônibus turísticos ou simplesmente caronas remuneradas.
Há muito mais a se escrever sobre o tema, que se desdobra em inúmeras variantes e possibilidades. Mas lá fora faz sol, e a mocinha da internet me olha com cara de enfado, e minha barriga começa a pedir por algo sólido, gorduroso e de origem indecifrável. Melhor partir. Até mais.