amores expresos, blog DO MATTOSO

terça-feira, 24 de julho de 2007

DE LETRAS E LOLITAS



A gente nunca espera por essas coisas. Magalis havia me avisado, mira, a artista não sou eu, você tem que falar é com aquela ali, ó. Eu já a tinha visto perambulando pelos corredores, sempre com a mão na barriga, sempre se queixando da recuperação da cirurgia no estômago, mas não podia imaginar que por trás daquela estampa frágil e carcomida existia Lolita López, diva internacional, dona de uma voz capaz de enternecer o mais congelado dos corações.

Não é novidade pra ninguém que Cuba é um país musical. Deve haver mais músicos em Havana do que designers em São Paulo, se é que me faço entender. Em pouco mais de vinte dias assisti a cerca de dez concertos, do jazz à salsa, do son ao reggaton, passando pela inesquecível versão de “My way” interpretada por um pianista de restaurante que era a cara do Raimundo Carrero — e que fez a canção soar como um inusitado hino revolucionário. O espetáculo mais memorável que testemunhei em terras cubanas, porém, aconteceu na sala da casa onde estou hospedado, entre paredes repletas de fotos, pôsteres e bandeirolas mexicanas, além de outros badulaques de difícil definição. Lolita López, “La voz ranchera de Cuba”, é responsável por performances memoráveis nos cabarés do país, sempre entoando clássicos do cancioneiro sentimental centro-americano — e foi esse repertório que ela apresentou no concerto improvisado.

“Deus me deu o dom da música mexicana”, exclama Lolita, que logo esclarece: não tem parentesco nenhum na terra de Zapata. “Apenas senti que através dessas canções podia expressar todo meu sentimento”. Que ninguém duvide disso. Quando Lolita abre a boca as louças tremem, os pontos cardeais se confundem, as órbitas planetárias se extraviam. Até Estela, que estava aqui fazendo imagens para um documentário sobre o projeto, acaba irremediavelmente atingida. Seu choro é contido pela própria Lolita, que se emociona com a reação da visitante e, bem, converte a sala num imenso vale de lágrimas.

O episódio com Lolita López foi apenas uma das inumeráveis surpresas que esta viagem me proporcionou. A maioria não entrou neste blog, algumas por falta de tempo, outras porque prefiro guardá-las comigo, fermentando na cabeça até o momento em que, transformadas em algo que ainda não sei o que é, se habilitem a virar ficção. Sim, já tenho uma história. Não, ela não tem nada a ver com transporte coletivo ou filas desconstruídas.

Este não é um último post. A viagem acaba em quatro dias, e ainda tenho uma ou outra coisa pra colocar aqui. O tempo fechou em Havana, o que é sempre uma boa notícia — o sol de julho inviabiliza qualquer caminhada mais longa entre as 13 e as 16 horas. Hora de fazer a alegria de meus calos. Até.